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1 – O contexto
Em 19.12.2023, a agência de classificação de risco S&P elevou o rating da dívida soberana do Brasil para BB. Esta é a primeira melhoria na classificação em 12 anos. Esta nota é um efeito da reforma da tributação indireta no Brasil, promulgada em 20.12.2023, que modifica as bases da tributação brasileira para simplificá-la (Emenda à Constituição nº 132).
Essa reforma é uma verdadeira revolução porque afeta diretamente os poderes tradicionais dos estados federados e municípios. Essa reforma era desejada há décadas, mas não avançou diante dos muitos obstáculos políticos.
Mas de que se trata exatamente ?
Enquanto na Europa a tributação indireta corresponde a um imposto sobre valor agregado (IVA), um sistema único e unificado, no Brasil a tributação indireta é diversificada em vários níveis: (i) diferentes impostos de acordo com as atividades econômicas e (ii) diferentes entidades públicas responsáveis. Assim, as atividades de serviços devem pagar o imposto sobre serviços, que é de responsabilidade dos municípios, e as atividades comerciais e industriais devem pagar o imposto sobre a circulação de mercadorias, que é de responsabilidade dos estados. Todas as atividades também devem contribuir para as contribuições sociais federais (PIS/Cofins), sem falar em outros tributos especiais.
Esse sistema diversificado tem dificultado a gestão do pagamento de seus tributos pelos atores econômicos, diante da permanente guerra tributária das autarquias locais (estados federados e municípios), da opacidade dos mecanismos e de uma abundante judicialização das questões tributárias.
Essa tributação indireta tem um papel importante no famoso “custo Brasil” (os custos de produção ligados às condições específicas do país), que incluem a inadequação da infraestrutura, a judicialização do emprego, a baixa qualificação da mão de obra, o custo do financiamento, a insegurança jurídica e, sobretudo, a complexa tributação indireta.
De acordo com estudos realizados pelo MBC (Movimento Brasil Competitivo) junto com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDICS), o custo do Brasil representaria cerca de 340 bilhões de dólares por ano, ou 22% do PIB do Brasil.
Em seu relatório “Competitividade Brasil 2019-2020” a Confederação Nacional das Indústrias-CNI destaca melhorias na burocracia, nas relações de trabalho, na inovação, na tecnologia e na concorrência. Mas nos lembra que os custos de capital (custos de financiamento) e os custos relacionados à complexidade tributária persistem.
De acordo com o Banco Mundial, as empresas brasileiras consomem mais de 1500 horas por ano para lidar com suas questões tributárias, o que é mais de 6 vezes a média mundial. Um em cada 200 funcionários brasileiros se dedica a questões contábeis, enquanto nos Estados Unidos e na Europa é de 1 em 1000 e um em 500, respectivamente.
A carga tributária do Brasil é de 33% do PIB, o que está aproximadamente em linha com a média dos países desenvolvidos da OCDE, mas não oferece serviços públicos no mesmo nível que os desses países.
Em janeiro de 2023, a Confederação Nacional das Indústrias-CNI apresentou 14 propostas para melhorar a produção e o crescimento. Entre essas propostas, a “modernização da fiscalidade indirecta” aparece em primeiro lugar.
A reforma tributária que acaba de ser promulgada deve limitar a guerra tributária que as autoridades locais estão travando para atrair empresas e investidores. Ao harmonizar e simplificar o sistema, a reforma proporcionará também maior segurança jurídica e transparência. Este novo regime tributário também reduzirá a carga tributária sobre as exportações, uma vez que os impostos serão pagos sobre o consumo, não serão pagos sobre a exportação.
A simplificação do sistema reduzirá o tempo gasto pelas empresas no cálculo e pagamento de seus impostos, abrindo tempo adicional para a criação de riqueza. Bernard Appy, que foi nomeado pelo governo federal para liderar a reforma tributária, acredita que ela deve aumentar o crescimento em 12% a 20% nos próximos 15 anos. Para o presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, deve ser obtido um crescimento de 1,5% no primeiro ano de implementação da reforma.
Por último, esta reforma é moderna, introduzindo um IVA seletivo que permite reduzir as desigualdades sociais, graças, inclusive, ao “cashback”, um sistema através do qual os consumidores mais pobres são reembolsados do IVA pago; e a lutar contra as atividades poluentes e anti-sociais, graças à tributação seletiva.
2 – A reforma
2.1 – Uma reforma constitucional
A reforma que foi adotada em 20.12.2023 é uma reforma da Constituição Federal do Brasil de 1988, pois determina a competência fiscal das diversas autoridades locais do país (União, estados, municípios). Para unificar a tributação indireta, foi necessário, portanto, alterar a Constituição Federal.
O desafio era, portanto, considerável porque, além dos obstáculos políticos à reforma, vindos de governadores, prefeitos e das várias convicções políticas, era necessário obter uma maioria qualificada de 3/5 dos membros da Câmara dos Representantes e do Senado. Após três décadas de espera, essa maioria foi obtida e a reforma votada e promulgada em 20.12 2023.
O que ele muda?
2.2 – IVA brasileiro
Para substituir os impostos indiretos, foram criados dois IVA, um federal (Contribuição sobre Bens e Serviços-CBS) e um descentralizado (o Imposto sobre Bens e Serviços-IBS). Os dois IVA funcionarão de forma idêntica com os mesmos mecanismos e serão regulados pela mesma lei. Apenas o destinatário e a taxa aplicável serão diferentes.
A reforma já prevê taxas reduzidas para certas atividades, como educação e saúde.
Está previsto um “cashback”, permitindo que as populações mais humildes sejam reembolsadas pelo IVA pago. Trata-se de um sistema de redistribuição social totalmente inovador, uma vez que o IVA sempre foi entendido como um imposto injusto que se aplica igualmente a todas as classes sociais.
2.3 – Imposto seletivo
Foi criado um imposto seletivo – IS com o objetivo de tributar bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Esses bens e serviços serão listados por lei. Este imposto é da responsabilidade da União.
2.4 – O período de transição
A grande reviravolta criada por esta ambiciosa reforma exige um período de transição. Este período é dividido em várias etapas: emissão de leis e regulamentos em 2024 e 2025; em 2026, inicia-se a aplicação dos novos impostos, com uma taxa muito reduzida no início, e o início da redução dos impostos antigos; fim do período em 2033, ano em que o novo regime se aplica plenamente.
3 – Conclusão
O Brasil é uma democracia muito atomizada. É antes de tudo um país federal com estados e municípios poderosos. Há também mais de 20 partidos políticos representados no Congresso, nenhum dos quais pode reivindicar disciplina de voto. Cada membro de cada partido pensa e vota como quer. Estamos longe de partidos que operam como um bloco, como na Europa. O debate, na França, sobre a falta de maioria absoluta do atual governo faria os brasileiros sorrirem!
No entanto, os brasileiros acabam de adotar uma ambiciosa reforma constitucional, que vira o poder fiscal de cabeça para baixo. Uma reforma que exigiu o voto favorável de 3/5 da Câmara dos Representantes e 3/5 do Senado.
Após a grande reforma da lei trabalhista em 2017; a da imigração em 2017; a Lei da Liberdade Econômica em 2019, o estabelecimento da base legal para startups em 2021; a grande reforma do saneamento em 2020 e, agora, essa reforma revolucionária de sua tributação indireta, o Brasil está demonstrando sua capacidade de se tornar cada vez mais moderno, com reformas profundas mesmo no marco de uma das democracias mais flexíveis, atomizadas e menos autoritárias do mundo.
A reforma tributária indireta votada no final de dezembro de 2023 não é apenas ousada na transformação que inicia, mas também é muito moderna ao oferecer um exemplo de IVA social, com destaque para o sistema de “cashback” muito inovador, e uma tributação pró-ambiental.